Embora não seja um poema no sentido tradicional, é um texto profundamente crítico e literário, onde Torga reflete sobre traços do caráter nacional português.
Eis o excerto completo:
"É escusado.
Cada português que se preza é uma muralha de suficiência contra a qual se quebram todas as vagas da inquietação.
Conhece tudo, previu tudo, tem soluções para tudo.
E quando alguém se apresenta carregado de dúvidas, tolhido de perplexidades, vira-lhe as costas ou tapa os ouvidos. Um mínimo de atenção ao interlocutor seria já uma prova de fraqueza, uma confissão de falibilidade.
Quanto mais apertado o seu horizonte intelectual, mais porfia na vulgaridade das certezas que proclama.
Não à maneira humilde e cabeçuda dos que se limitam a transmitir sem análise um saber ancestral, mas como um presumido doutor, impante de mediocridade."
— Miguel Torga (1909-1995) in Diário (1979)